quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O cara que diverte todo mundo

(Matéria publica no jornal "O Tempo", de Belo Horizonte - 14/10/2008 - por Douglas Rezende)

Depois de uma temporada de sete anos com o Cirque du Soleil, o palhaço Marcos Casuo volta ao Brasil com planos de revolucionar a arte circense no país

"O riso do público é como um beijo na alma do artista." É assim que Marcos Casuo encontra satisfação no seu ofício. Ele se tornou palhaço depois que entrou para o Grande Circo Popular do Brasil, criado por Marcos Frota, e em 2001 integrou o elenco do espetáculo "Alegría", do Cirque du Soleil, do qual se despediu este ano.

Por telefone, de São Paulo, onde nasceu em 1974, o palhaço conversou com o Magazine sobre sua trajetória no circo, as dificuldades de estar entre o elenco de artistas do Cirque du Soleil e os projetos para seu futuro próximo, agora que abandonou a trupe canadense para montar seus próprios espetáculos, criar uma escola de circo e sobretudo voltar a morar no Brasil, depois de sete anos viajando pelo mundo com "Alegría", espetáculo pelo qual Casuo - único brasileiro no elenco - se apresentou em Belo Horizonte no ano passado, além de outras dúzias de cidades pelo globo.

"Eu penei muito no Soleil. Entrei como acrobata, ensaiava oito horas por dia e chegava em casa com os ombros sangrando. Mas vale a pena porque quando você escolhe ser artista, tem um preço a pagar", relembra Casuo o desafio que foi entrar para o Cirque du Soleil, conhecido também por sua lógica intensa de produção às vezes cruel para os artistas, com muito ensaio e apresentações em ritmo industrial. "Fui uma pessoa que se adaptou fácil à trupe. Cada artista, principalmente as pessoas que passaram pelo Soleil, devem ter em mente que tem de ser um bom artista, claro. E para continuar, tem que ser melhor ainda", justifica Casuo. "É como se fosse a seleção brasileira."

Casuo conta que o interesse pelo Cirque du Soleil veio depois que assistiu a um vídeo de "Alegría". "Prometi a mim mesmo que um dia faria parte daquele espetáculo." Em 2001, a trupe canadense abriu uma audição para novos talentos no Rio de Janeiro. E Casuo assumiu o desafio. "Passei nos testes e meu sonho começou a se realizar", conta ele que, antes mesmo de ter viajado o país com o Grande Circo Popular do Brasil, já fazia teatro e ginástica olímpica. "O circo é a mãe de todas as artes, e envolve também a ginástica olímpica", comenta o palhaço.

Novo grupo. Agora que Marcos Casuo abandonou o barco de "Alegría", vários caminhos se abriram diante dele. Vivendo novamente em São Paulo, está em processo de formação de um grupo com o qual pretende dar continuidade aos números clownescos que criou no Soleil.

Casuo diz que, apesar de estar no meio de uma pausa com os espetáculos, quer "mostrar que o clown tem que ter respeito por si mesmo, por sua beleza e poesia". "Com aquele nariz vermelho sou respeitado, posso entrar em qualquer lugar", diz. "No Brasil ‘palhaço’ é usado para xingar. Em qualquer outro lugar do mundo, quando você diz ‘you are such a clown’, está dizendo que é uma pessoa divertida."

Segundo o artista, o novo grupo, apesar de ainda não ter sido batizado, já tem uma peça prestes a começar a ser produzida. O título provisório é "O Clown e a Flor do Abismo" e o casting para os artistas está aberto. "Já tenho 1,2 mil artistas cadastrados, querendo trabalhar comigo", conta Casuo.

Se o novo grupo de Marcos Casuo está em fase de formação, a embrionária trupe já tem uma banda pronta para estrear - a White Clowns, que vai fazer parte das criações do grupo. "A banda é maravilhosa e vai participar de números que aprendi no Soleil e que criei com toques meus", comenta o palhaço, que acrescenta, pretensioso: "Quero revolucionar o circo brasileiro, com a nossa pitada, com o nosso suingue. Porque o Brasil não é bom só no futebol." Para isso, Casuo diz que sua inspiração continua a mesma. "A criança é pura, ingênua e tem um universo fantástico ao seu redor.

Tento criar em cima disso", explica o artista, cujo destino, diz ele, estava traçado desde cedo. "Costumo dizer que já nasci palhaço. Era assim que minha vozinha me chamava, já aos quatro anos de idade", conta. "Ela jamais imaginaria que aquele apelido pudesse mudar a minha vida. Desde cedo meu lado travesso e brincalhão falou mais alto. Nunca deixei as brincadeiras e palhaçadas de lado, era sempre o cara que divertia todo mundo."

Casuo assume pretensões de criar escola de clown

O palhaço Marcos Casuo pára num sinal de trânsito em São Paulo e uma criança, de cerca de 12 anos, se posta diante de seu carro fazendo malabarismos com nada menos que sete bolinhas. “Isso é dificílimo para os artistas”, comenta, lembrando sua perplexidade com as habilidades do garoto. “Mas as moedas que ele ganha é muito pouco diante do seu potencial.” Casuo conta esse caso para justificar o seu interesse por criar uma escola de circo – a Clown School – que deve ser inaugurada no ano que vem, de acordo com os planos do palhaço.

Esse é outro dos projetos que o artista está iniciando depois que saiu, recentemente, do Cirque du Soleil. “Hoje tenho como a obrigação de não deixar essa arte milenar morrer, e passar adiante para essas crianças”, comenta ele.

Como princípio dos seus esforços, o palhaço está “escrevendo uma pedagogia” específica, com base em “princípios da Unesco” e na experiência que já tem em organizações como a Humaniza e a Apae, para as quais ele cria coreografias e números clownescos.

“Eu larguei o Cirque du Soleil porque já estava há sete anos fora do meu país. E também porque se já estou com 34 anos, quando estiver com 60 não vou poder ajudar tanto as pessoas como agora”, justifica. Segundo ele, entre todos os novos projetos que está desenvolvendo, é a Clown School que está mais no seu “foco” no momento. “Tenho trabalhado com uma pedagogia da Unesco, em que segunda, quarta e sexta vamos nos dedicar ao lado social, desenvolver ações com crianças, oferecer a elas a oportunidade de aprender que as possibilidades de trabalhar são infinitas”, diz.

O palhaço vai implantar a Clown School inicialmente em São Paulo, mas tem a pretensão de expandir o projeto, que ele enxerga como um trabalho de inclusão social, para outras capitais do país. A escola será sustentada, como explica ele, por “cinco pernas”: “o circo como educação, o circo como arte, como formação de caráter, como motivação e, claro, como um espaço para a prática de esporte. Porque é importante que as pessoas saibam que dentro do circo também se pratica esporte.”

As pretensões educacionais de Marcos Casuo não surgiram do nada. O palhaço já ensina, há muito, técnicas de maquiagem, de comicidade e sobre a poesia do clown. Ele ministrou workshops por todos os cantos por onde o Cirque du Soleil andou ao longo destes anos com o espetáculo “Alegría”. E antes mesmo disso, quando o Grande Circo Popular do Brasil saía em turnê, Casuo preparava logo um workshop para crianças. “Muitas crianças já imaginaram voar num trapézio quando entraram no circo. Mas precisam de um empurrão”, justifica Casuo.